Maioridade penal e violência
Na semana passada, mais uma vez assistimos a fatos de violência inaudita, com acréscimos estarrecedores de maldade, como foi o caso da dentista “incendiada” num assalto no ABC Paulista, por não ter à mão a soma satisfatória para entregar aos larápios. Detalhe a mais: um menor assumiu a autoria da ação. Sempre mais crimes envolvem menores de idade. Não passa desapercebido, que muitos menores também são vítimas de ações criminosas, perdendo a vida precocemente.
De maneira inevitável, volta a discussão sobre a redução da idade penal no Brasil. Creio que a questão deva ser vista num contexto mais amplo, pois a simples imputação de responsabilidade criminal não é a verdadeira solução para o problema. Há que se perguntar sobre as razões dessa realidade preocupante, para tomar medidas para diminuir o fenômeno, se não se consegue erradicá-lo de vez.
Examinemos alguns fatores presentes no aumento da criminalidade juvenil. Muitos adolescentes, e até crianças, são “usados” por criminosos adultos, que se valem da não punibilidade de menores; isso mereceria penas bem mais severas aos eventuais “mandantes” e responsáveis de organizações criminosas, que manipulam ou envolvem menores.
Outro fato lamentável é que o crime compensa e, por isso, torna-se atraente para adolescentes e jovens, que vêem nele uma oportunidade de ganhar a vida; a ineficiência dos órgãos de segurança e de justiça, somada a persistentes fatos de corrupção, acaba abrindo espaços para a impunidade e para o desenvolvimento de organizações criminosas, que também arrebanham adolescentes e jovens. A escola, a formação profissional, o esforço disciplinado para conquistar o espaço na vida de maneira honesta perdem interesse para essa outra aposta para “vencer na vida”, geralmente ilusória e temerária; a maior parte dos adolescentes e jovens que entra no crime acaba eliminada bem antes de conquistar seu próprio “negócio”.
É preciso admitir também que há uma certa complacência cultural e social em relação ao crime; as pessoas sentem-se impotentes para reagir e lutar contra o crime e acabam se resignando numa atitude fatalista, achando que nada pode ser mudado. Fica-se com a consciência calejada diante das notícias diárias sobre chacinas, atos de violência e maldades de todo tipo. É nebulosa a consciência comum sobre o valor do bem e sobre o direito à justiça e à segurança. Vale a pena ser honesto? E o envolvimento de agentes de segurança e de justiça em atos de corrupção aumenta essa incerteza da sociedade.
Mas há um fator ainda mais preocupante. O crime é muito mais divulgado, quase em forma de apologia, do que a prática do bem e a educação para a vida virtuosa e honesta. É uma forma de educação subliminar para a vida desonesta. Alguém já viu nos Meios de Comunicação um apelo claro à prática da justiça, à honestidade, à virtude por iniciativa do Estado? Ou alguma chamada em que se diga claramente que os atos de violência, quaisquer que sejam, são reprováveis e devem ser evitados? Quem está educando para a prática do bem e para a vida honesta?
Mas quem ousa falar publicamente em honestidade e em virtude, sem ser logo tachado de “conservador” e “careta”? Neste caso, de maneira estranha, dir-se-á que isso é moralismo e que não é competência do Estado educar para atitudes morais e virtudes. E qual seria a educação que o Estado deve dar? Será o próprio Estado que, através de suas instâncias competentes, deverá investir pesadamente para reprimir e punir as ações criminosas. Não valeria a pena investir bem mais numa educação preventiva explícita contra a criminalidade? Por que a educação para a virtude e os comportamentos dignos não merece investimentos semelhantes aos encargos resultantes das condutas criminosas?
Há ainda um fator a ser considerado: se os desvios de conduta e as atitudes anti-sociais são fruto de uma deseducação social, deve-se acrescentar que também resultam de uma falta de educação de crianças e adolescentes por parte de quem deveria fazê-lo. Falo da família, que sempre de novo é cobrada quando aparece um menor infrator. Mas quem apóia a família e estimula os pais no cumprimento de seu dever? Prefere-se desmantelar a família e tirar-lhe a capacidade e até a competência para educar. Como podem ser educados os filhos de pais ausentes? Como pode educar uma família, cada vez mais desfigurada na sua natureza e competência? Como educar, se falta quase tudo em casa, se escola e família não interagem adequadamente? Como educar, se há estímulo aberto a toda sorte de promiscuidade sexual?
Falar em diminuição da “idade penal” pode ser uma reação de pânico diante de situações dolorosas, que merecem todo nosso respeito e solidariedade. Mas a solução para a criminalidade juvenil precisa ser vista num contexto mais amplo.
Este artigo estará na edição de 30/04/2013 do O SÃO PAULO
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo
@DomOdiloScherer