O segredo do Papa jesuíta
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Francisco, o Papa Bergoglio é primeiro em muitas coisas. Primeiro Papa latino-americano, primeiro Papa argentino, primeiro Papa com nome de Francisco. É também e não menos o primeiro Papa jesuíta. A ordem fundada por Inácio de Loyola nunca havia dado um Papa à Igreja. Em parte por ser uma Ordem relativamente nova, com menos de 500 anos de existência. Também por ser uma Ordem numerosa e poderosa, que granjeou pelo mundo afora muitas simpatias, mas também muitos inimigos. Estes últimos tinham medo de que um Papa jesuíta pudesse fazer crescer exponencialmente a força da Companhia de Jesus.
Porém chegou o dia. Francisco, como escolheu chamar-se o cardeal Jorge Mario Bergoglio ao ser eleito Papa, é jesuíta. Entrou jovem na Companhia, recebeu sua formação na Argentina e no Chile. Ocupou todos os cargos importantes na Companhia de Jesus na Argentina: mestre de noviços, provincial, reitor do Colégio Máximo, antes de ser bispo e depois arcebispo de Buenos Aires.
Tudo isso demonstra quão profundamente o novo Papa está marcado em sua espiritualidade e seu modo de ser pelos Exercícios Espirituais de Santo Inácio. Espiritualidade cristocêntrica e essencialmente missionária, tem no discernimento dos espíritos para buscar e encontrar a vontade de Deus a fim de colocá-la em prática na vida de cada dia. Espiritualidade que move os afetos e a vontade na direção do querer de Deus, ensina a tomar decisões em plena liberdade sem ser pressionada pelas afeições desordenadas. Espiritualidade que acredita que o espírito deve exercitar-se assim como o corpo a fim de encontrar agilidade e flexibilidade em responder aos convites divinos, faz apelo à liberdade para que esta se deixe mover em direção ao que mais conduz ao louvor e ao serviço de Deus Nosso Senhor.
O novo Papa encontrará pela frente inumeráveis desafios. Alguns deles são administrativos e emergiram com mais força no final do pontificado anterior. Dizem respeito à transparência na comunicação interna da cúria, às finanças do Vaticano etc. Outros tocam na própria imagem da Igreja como tal que se encontra arranhada pelos terríveis escândalos da pedofilia. A todos esses deverá responder com a indiferença – nome inaciano para a liberdade interior – que lhe permitirá enfrentar os conflitos e dores que o processo como um todo certamente lhe acarretará.
A espiritualidade inaciana pretende converter aquele que passa pela experiência dos Exercícios Espirituais em outro Cristo que possa andar pelo mundo com as atitudes, os gestos do próprio Jesus, pobre e humilde, que passou pela vida fazendo o bem a todos, sobretudo aos mais oprimidos e necessitados. Para isso expõe o exercitante à contemplação incessante desse Jesus, nos mistérios de sua infância, vida oculta, vida pública, paixão e morte e ressurreição. O desejo de Inácio é que o exercitante fique totalmente embebido e configurado pela pessoa de Jesus a fim de que todos os seus sentimentos, ações e decisões sejam imbuídos pelo espírito do mesmo Jesus, em seguimento obediente de sua pessoa, fazendo a vontade do Pai.
A espiritualidade inaciana ensina também aquele que a vive a pensar grande, desejar grande, ter grandes sonhos tendo como fim a glória de Deus. Por isso na hora de assumir uma missão ou um trabalho pastoral o critério tem que ser se isso conduz ao MAGIS, ou seja, ao bem mais universal que é necessariamente mais divino. Ao mesmo tempo deve colocar-se diante deste MAGIS com absoluta liberdade, não desejando outra coisa senão que se faça a vontade de Deus e que seu Reino cresça neste mundo.
Esta é a espiritualidade que vive o novo Papa e compreende-se que tenha aceitado a missão que lhe foi dada pela eleição de seus irmãos cardeais como uma oportunidade de ajudar a Igreja neste momento difícil a realizar o bem mais universal e mais divino. Compreende-se igualmente seu estilo de vida: pobre, simples, com uma cruz peitoral de ferro e sem outro revestimento a não ser a veste branca própria dos Papas. Entende-se e é motivo de alegria que tenha feito sua primeira comunicação aos fiéis reunidos na Praça São Pedro com tamanha simplicidade e despojamento.
Mais ainda: sente-se em sua pessoa e em seu discurso a sólida formação teológica que recebeu da Companhia de Jesus. Apresentou-se como bispo de Roma que é o que vem em primeiro lugar para aquele eleito pelo conclave para sentar-se na cadeira de São João de Latrão. Seu magistério ordinário é ser bispo de Roma e pastor dos católicos que ali vivem. E continuou: “E agora iniciamos este caminho, Bispo e povo… este caminho da Igreja de Roma, que é aquela que preside a todas as Igrejas na caridade.” Aí explicou o sentido de seu múnus universal como Papa.
Inclinando a cabeça pediu a oração do povo por sua pessoa e seu ministério. Foi um gesto típico de alguém formado na escola de Inácio de Loyola, cuja maior aspiração é seguir e servir o Cristo pobre e humilde. Esperemos que a fidelidade do novo Papa Francisco aos Exercícios que o formaram o ajude a ser um Papa segundo o coração de Deus: pobre, humilde, mas também cheio de ardentes desejos de pastorear a Igreja sempre mais em direção à vontade de Deus e à implantação de seu Reino de amor e justiça. Este será seu segredo e também e sobretudo, sua força.